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domingo, 28 de maio de 2023

PENTECOSTES

 

PENTECOSTES

 

“Todos ficaram cheios do Espírito Santo...” Atos 2.4a

 

A Igreja Cristã ao redor do mundo celebra neste domingo o Pentecostes, ocasião em que o Espírito Santo foi derramado sobre os discípulos do Senhor Jesus Cristo, cinquenta dias após a Páscoa.

É importante que olhemos para a narrativa bíblica, conforme descrita pelo evangelista Lucas em Atos 2, não apenas com o olhar histórico, mas com o olhar hermenêutico, buscando compreender alguns elementos e ensinamentos espirituais que o evento nos traz.

Primeiramente, devemos compreender que o evento demonstra o cumprimento da promessa do Senhor Jesus. Antes de sua ascensão, o Senhor Jesus Cristo, ressurreto, tinha falado aos seus discípulos que não se ausentassem de Jerusalém, pois eles seriam batizados com o Espírito Santo (Atos 1.4-5); e, em Atos 1.8, temos a promessa da outorga de poder aos discípulos para serem testemunhas do Senhor Jesus em todos os lugares. Interessantemente, para o apóstolo Pedro, era a concretização da profecia de Joel (conf. Atos 2.16ss).

Em segundo lugar, o Pentecostes estava relacionado à concessão de poder. Isso está mais que claro em Atos 1.8: “...recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo...”. A palavra ‘poder’, no original ‘dynamis’, tem o significado de poder real, poder em ação; significa mais do que força ou capacidade, implica na própria operação divina em ação. O Comentário Barnes diz: “A palavra ‘poder’ aqui se refere à ajuda ou auxílio que o Espírito Santo concederia; o poder de falar em novas línguas; de pregar o evangelho com grande efeito; de suportar grandes provações, etc.”[1] Isso ficou bastante claro no próprio contexto de Atos 2, quando aqueles discípulos, iletrados e incultos, testemunharam, noutro idioma que não conheciam. Além disso, o apóstolo Pedro, cheio do poder do Espírito Santos, pregou um sermão profundamente confrontador, ocorrendo milhares de conversões. Esse poder é visto em todo o livro de Atos e em toda a história da Igreja Apostólica.

Em terceiro lugar, o derramamento tinha um fim: o testemunho acerca do Senhor Jesus Cristo. Atos 1.8 também deixa isso muito claro: “...e sereis minhas testemunhas...”. Claro que entendemos, à luz da Palavra de Deus, que o Espírito Santo age para outros fins, mas, estamos buscando fazer uma conexão entre Atos 1.4-8 e Atos 2. Aqueles discípulos seriam cheios do Espírito Santo para que, com poder (vindo do Espírito Santo), pudessem testemunhar com ousadia a respeito do Senhor Jesus Cristo ressurreto! O comentário Esperança diz: “Ele (o Espírito) nos transforma em testemunhas. Conhecemos o termo ‘testemunha’ do linguajar jurídico. Num processo jurídico são interrogadas as testemunhas. Não lhes cabe externar sua opinião, nem relatar seus pensamentos, mas – exatamente como fazem os apóstolos (Atos 4.20) – ‘falar das coisas que viam e ouviram’. As testemunhas estabelecem o que aconteceu na realidade”.[2] Além do mais, convém lembrar que a palavra ‘testemunha’ vem do termo grego ‘martys’ (mártir, martírio), transmitindo a ideia de que esse testemunho que atinge o coração é que conduz os mensageiros ao sofrimento, e ele somente pode ser prestado mediante o sofrimento (Atos 9.16).[3]

À luz disso, que lições práticas a Igreja de hoje pode tirar: 1 – O Senhor é cumpridor veraz de todas as suas promessas: essa é uma grande verdade que não podemos abrir mão: o Senhor vela para cumprir as suas promessas! Ele prometeu derramar Seu Espírito sobre seus discípulos, e cumpriu! 2 – A Igreja necessita do poder do Espírito Santo. A Igreja é um organismo antes de ser uma organização; a Igreja é o Corpo Vivo do Senhor Jesus! Não podemos encarar a Igreja como se fosse uma empresa, uma ONG ou qualquer agremiação. Precisamos compreender que necessitamos de poder e direção do Espírito Santo para cumprirmos as ações e tarefas que temos pela frente. Iludimo-nos quando tentamos fazer a Obra do Senhor somente dependendo das nossas forças ou qualificações; precisamos do poder do Espírito Santo! 3 – O poder do Espírito Santo nos leva a sermos autênticas testemunhas do Senhor: Não deveríamos ousar testemunhar do Senhor Jesus sem o poder do Espírito Santo, isso não acabará bem. A Igreja não tem mais a ousadia de outrora para testemunhar do Senhor porque lhe falta o poder do Espírito Santo. O genuíno testemunhar do Senhor Jesus Cristo pode redundar em sofrimento e perseguição; essas coisas não dão muito ibope no atual movimento evangélico brasileiro.

Cabe-nos buscarmos o Senhor em quebrantamento e contrição, rogando para que Ele derrame Seu Espírito Santo em nós, enchendo-nos do Seu poder!

 

 

 

 

 

 



[1] Comentário Barnes. Disponível em https://www.apologeta.com.br/atos-1-8/. Consulta em 26.05.2023.

[2] BOOR, Werner de. Atos do Apóstolos. Comentário Esperança. Curitiba/PR: Editora Evangélica Esperança, 2003, p. 15.

[3] Id.

terça-feira, 23 de maio de 2023

CORAÇÃO AQUECIDO

 Coração Aquecido

 

 

24 de maio é uma data lembrada dentro das Igrejas de origem wesleyana. Foi no dia 24 de maio de 1738 que John Wesley teve uma experiência que marcaria sua vida e a história da igreja cristã decisivamente.

Os irmãos John e Charles Wesley, tinham ido para uma obra missionária em outubro de 1735 nos EUA, precisamente na colônia inglesa da Georgia; nesta colônia ficou até dezembro de 1737. Os trabalhos na colônia não eram fáceis, mas, o maior problema de John Wesley se referia à sua própria vida espiritual. Seu diário registra a luta espiritual pelo qual passava o jovem anglicano: “Fui até a América do Norte a fim de converter os índios, mas quem me converterá a mim? Quem me livrará desse coração perverso e incrédulo? Tenho uma religião dos bons tempos; posso falar dela, posso mesmo crer nela, enquanto estou longe do perigo; porém, logo que a morte está diante do meu rosto, minha alma se abate. Não posso exclamar: Para mim a morte é lucro. Oh, quem me livrará desse medo da morte? O que farei? Onde irei escapar dela?”.[1] O relato do diário demonstra a profunda dúvida em relação à sua própria salvação. Leliévre diz: “...Wesley voltou da América do Norte oprimido e abatido; finalmente, tinha aprendido a conhecer-se a si mesmo, e descreve em seu diário com amarga eloquência essa fase de sua vida espiritual”.[2]

Retornando a Londres, Wesley buscou contato com a comunidade moraviana[3], a qual tinha conhecido na viagem de ida aos EUA, tendo sido bastante impactado com a fé pura, simples e genuína daquele grupo. Em fevereiro de 1738, Wesley começa encontros com o ministro moraviano Pedro Bohler, que o guiou ao conhecimento de uma fé viva e genuína. A peregrinação de John Wesley estava chegando ao final.

Deixemos que o próprio Wesley relate sua experiência: “Quase as cinco da manhã de quarta-feira, o dia vinte e quatro de maio de 1738, abri meu Novo Testamento e encontrei estas palavras: ‘Ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas vos torneis participantes da natureza divina’ (I Pe 1.4)...À noite, fui, contra minha vontade, a uma pequena reunião na rua Aldersgate, onde ouvi a leitura do Prólogo de Lutero à Epístola de Paulo aos Romanos. Cerca de quinze para as nove, enquanto escutava a descrição feita da transformação que Deus opera no coração mediante a fé em Cristo, senti arder meu coração de modo estranho. Senti que confiava em Jesus, e nele somente, para minha salvação; recebi certeza de que o Senhor tinha apagado os meus pecados e Ele me havia salvado da lei do pecado e da morte”.[4]

Como falamos acima, essa experiência promoveu uma transformação radical na vida de John Wesley (seu irmão, Charles e seu grande amigo, George Whitefield, já tinha passado pela mesma experiência). A crise espiritual tinha ido embora. Do mesmo modo que Paulo, o fariseu, foi transformado, e Lutero, um fanático ritualista, tinha se convertido, Wesley teve a sua vida completamente transformada.

A transformação espiritual de John e Charles Wesley e de George Whitefield teve uma repercussão não apenas em suas vidas, mas em toda Inglaterra, nos EUA, e no mundo, pois, a partir desses jovens, iniciou-se um dos maiores movimentos da história da Igreja Cristã: o movimento wesleyano e o consequente Metodismo.

A Inglaterra do Século XVIII passava por profundas transformações políticas e sociais, sem falar da forte crise de espiritualidade cristã devido a frieza do Anglicanismo. Alguns estudiosos dizem que a Inglaterra, dada sua situação social e política, caminhava para uma convulsão social como ocorrida na França, e que não houve espaço para isso devido a influência do movimento wesleyano. O movimento wesleyano impactou a sociedade inglesa, e, posteriormente, a norte-americana.

Devemos refletir que essa não deve ser apenas uma data a ser lembrada por uma determinada tradição. Mas, observarmos que ela pode nos trazer vários aprendizados. Gostaria de destacar alguns pontos: 1 – Alguns podem confundir religiosidade com conversão: Wesley serviu vários anos como um piedoso crente, mas não tinha passado por uma genuína experiência de conversão. Quem conhece um pouco a minha história sabe que passei por algo parecido; nascido e criado na tradição reformada, por muito tempo vivi apenas como um religioso, sem uma experiência de conversão. Já na minha fase adulta, fui alcançado pela Graça de Deus; 2 – A conversão implica em mudança de vida: mesmo a vida de um religioso que cumpre cabalmente os ditames da religião, não se compara em nada a uma vida profundamente transformada pelo poder da Graça do Senhor. Não tem como: conversão implica em mudança total e radical de vida. A experiência de conversão mudou radicalmente a vida dos três jovens avivalistas; 3 – Deus usa cultos e pessoas simples: Deus usou com poder a John Wesley depois de sua conversão, mas, Wesley foi guiado em sua peregrinação espiritual por um simples ministro moraviano, Pedro Bohler; o erudito John Wesley, ouviu sobre as mais profundas verdades espirituais através de um simples ministro; 4 – Deus usa com poder aqueles que se colocam debaixo de Seus cuidados: após sua conversão, John Wesley, como vimos resumidamente, foi poderosamente usado por Deus, liderando um poderoso avivamento na Inglaterra e EUA. No final de seus dias, Wesley tinha andado cerca de 322 mil kms a cavalo pela Inglaterra, Escócia e Irlanda, pregado cerca de 42 mil sermões, escrito cerca de 200 trabalhos, além de ter liderado e organizado o movimento wesleyano. Do mesmo modo que John Wesley foi poderosamente usado por Deus, qualquer um de nós também pode ser usado por Ele, se nos colocarmos totalmente ao Seu serviço e aos Seus cuidados.

Celebremos essa data com o coração aquecido pela Presença do Espírito Santo, nesta semana em que também se comemora o Pentecoste! Ao Senhor seja a glória e o louvor!!

 

 



[1] Works, Tomo I, p. 23 apud LELIÉVRE, Mateo. João Wesley: Sua vida e Obra. Traduzido por Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida, 1997, p. 61.

[2] LELIÉVRE, Mateo. João Wesley: Sua vida e Obra. Traduzido por Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida, 1997, p. 62.

[3] Os livros que tratam da História da Igreja Cristã sempre dedicam uma parte a história dos Morávios, mas gostaria de indicar: A Saga dos Irmãos Morávios, de Antonio LUIZ Rocha Pirola, e Avivamento Morávio, de Rafael Moreh.

[4] Works, Tomo I, p. 103 apud LELIÉVRE, Mateo. João Wesley: Sua vida e Obra. Traduzido por Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida, 1997, p. 66.