Coração Aquecido
24 de maio é uma data lembrada dentro das
Igrejas de origem wesleyana. Foi no dia 24 de maio de 1738 que John Wesley teve
uma experiência que marcaria sua vida e a história da igreja cristã
decisivamente.
Os irmãos John e Charles Wesley, tinham ido
para uma obra missionária em outubro de 1735 nos EUA, precisamente na colônia
inglesa da Georgia; nesta colônia ficou até dezembro de 1737. Os trabalhos na
colônia não eram fáceis, mas, o maior problema de John Wesley se referia à sua
própria vida espiritual. Seu diário registra a luta espiritual pelo qual
passava o jovem anglicano: “Fui até a América do Norte a fim de converter os
índios, mas quem me converterá a mim? Quem me livrará desse coração perverso e
incrédulo? Tenho uma religião dos bons tempos; posso falar dela, posso mesmo
crer nela, enquanto estou longe do perigo; porém, logo que a morte está diante
do meu rosto, minha alma se abate. Não posso exclamar: Para mim a morte é
lucro. Oh, quem me livrará desse medo da morte? O que farei? Onde irei escapar
dela?”.[1] O relato do diário
demonstra a profunda dúvida em relação à sua própria salvação. Leliévre diz:
“...Wesley voltou da América do Norte oprimido e abatido; finalmente, tinha
aprendido a conhecer-se a si mesmo, e descreve em seu diário com amarga
eloquência essa fase de sua vida espiritual”.[2]
Retornando a Londres, Wesley buscou contato com
a comunidade moraviana[3], a qual tinha conhecido na
viagem de ida aos EUA, tendo sido bastante impactado com a fé pura, simples e
genuína daquele grupo. Em fevereiro de 1738, Wesley começa encontros com o
ministro moraviano Pedro Bohler, que o guiou ao conhecimento de uma fé viva e
genuína. A peregrinação de John Wesley estava chegando ao final.
Deixemos que o próprio Wesley relate sua
experiência: “Quase as cinco da manhã de quarta-feira, o dia vinte e quatro de
maio de 1738, abri meu Novo Testamento e encontrei estas palavras: ‘Ele nos tem
dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas vos torneis participantes
da natureza divina’ (I Pe 1.4)...À noite, fui, contra minha vontade, a uma
pequena reunião na rua Aldersgate, onde ouvi a leitura do Prólogo de Lutero à
Epístola de Paulo aos Romanos. Cerca de quinze para as nove, enquanto escutava
a descrição feita da transformação que Deus opera no coração mediante a fé em
Cristo, senti arder meu coração de modo estranho. Senti que confiava em Jesus,
e nele somente, para minha salvação; recebi certeza de que o Senhor tinha
apagado os meus pecados e Ele me havia salvado da lei do pecado e da morte”.[4]
Como falamos acima, essa experiência promoveu
uma transformação radical na vida de John Wesley (seu irmão, Charles e seu
grande amigo, George Whitefield, já tinha passado pela mesma experiência). A
crise espiritual tinha ido embora. Do mesmo modo que Paulo, o fariseu, foi
transformado, e Lutero, um fanático ritualista, tinha se convertido, Wesley
teve a sua vida completamente transformada.
A transformação espiritual de John e Charles
Wesley e de George Whitefield teve uma repercussão não apenas em suas vidas,
mas em toda Inglaterra, nos EUA, e no mundo, pois, a partir desses jovens,
iniciou-se um dos maiores movimentos da história da Igreja Cristã: o movimento
wesleyano e o consequente Metodismo.
A Inglaterra do Século XVIII passava por
profundas transformações políticas e sociais, sem falar da forte crise de
espiritualidade cristã devido a frieza do Anglicanismo. Alguns estudiosos dizem
que a Inglaterra, dada sua situação social e política, caminhava para uma
convulsão social como ocorrida na França, e que não houve espaço para isso
devido a influência do movimento wesleyano. O movimento wesleyano impactou a
sociedade inglesa, e, posteriormente, a norte-americana.
Devemos refletir que essa não deve ser apenas
uma data a ser lembrada por uma determinada tradição. Mas, observarmos que ela
pode nos trazer vários aprendizados. Gostaria de destacar alguns pontos: 1 –
Alguns podem confundir religiosidade com conversão: Wesley serviu vários anos
como um piedoso crente, mas não tinha passado por uma genuína experiência de
conversão. Quem conhece um pouco a minha história sabe que passei por algo
parecido; nascido e criado na tradição reformada, por muito tempo vivi apenas
como um religioso, sem uma experiência de conversão. Já na minha fase adulta,
fui alcançado pela Graça de Deus; 2 – A conversão implica em mudança de vida:
mesmo a vida de um religioso que cumpre cabalmente os ditames da religião, não
se compara em nada a uma vida profundamente transformada pelo poder da Graça do
Senhor. Não tem como: conversão implica em mudança total e radical de vida. A
experiência de conversão mudou radicalmente a vida dos três jovens avivalistas;
3 – Deus usa cultos e pessoas simples: Deus usou com poder a John Wesley depois
de sua conversão, mas, Wesley foi guiado em sua peregrinação espiritual por um
simples ministro moraviano, Pedro Bohler; o erudito John Wesley, ouviu sobre as mais profundas
verdades espirituais através de um simples ministro; 4 – Deus usa com poder
aqueles que se colocam debaixo de Seus cuidados: após sua conversão, John
Wesley, como vimos resumidamente, foi poderosamente usado por Deus, liderando
um poderoso avivamento na Inglaterra e EUA. No final de seus dias, Wesley tinha
andado cerca de 322 mil kms a cavalo pela Inglaterra, Escócia e Irlanda,
pregado cerca de 42 mil sermões, escrito cerca de 200 trabalhos, além de ter liderado
e organizado o movimento wesleyano. Do mesmo modo que John Wesley foi
poderosamente usado por Deus, qualquer um de nós também pode ser usado por Ele,
se nos colocarmos totalmente ao Seu serviço e aos Seus cuidados.
Celebremos
essa data com o coração aquecido pela Presença do Espírito Santo, nesta semana
em que também se comemora o Pentecoste! Ao Senhor seja a glória e o louvor!!
[1]
Works, Tomo I, p. 23 apud LELIÉVRE,
Mateo. João Wesley: Sua vida e Obra. Traduzido por Gordon Chown. São Paulo:
Editora Vida, 1997, p. 61.
[2]
LELIÉVRE, Mateo. João Wesley: Sua
vida e Obra. Traduzido por Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida, 1997, p. 62.
[3]
Os livros que tratam da História
da Igreja Cristã sempre dedicam uma parte a história dos Morávios, mas gostaria
de indicar: A Saga dos Irmãos Morávios, de Antonio LUIZ Rocha Pirola, e
Avivamento Morávio, de Rafael Moreh.
[4]
Works, Tomo I, p. 103 apud LELIÉVRE,
Mateo. João Wesley: Sua vida e Obra. Traduzido por Gordon Chown. São Paulo:
Editora Vida, 1997, p. 66.
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